A pílula do câncer tem sido alvo de muita discussão sobre o direito da população ao acesso às pesquisas desenvolvidas em nossas universidades públicas e, por isso, em minha prática veterinária, tenho sido questionada por tutores de pacientes sobre minha opinião a respeito do tema.
Eu conheci o Prof. Chierice no ano de 1997 quando iniciava meu mestrado em cirúrgica veterinária pela UNESP de Jaboticabal. Na época ele mantinha vínculo acadêmico com o Hospital Veterinário como químico em pesquisas sobre o uso do polímero de mamona como implante ortopédico em fraturas de cães. Muitos de meus colegas defenderam dissertações sobre o tema e encontraram vantagens no uso do biopolímero. Neste período eu redigia meu projeto de pesquisa de mestrado que tinha como objetivo o tratamento de osteossarcoma em cães. Numa entrevista que participei com o Prof. Chierice ele demonstrou o interesse em fornecer as cápsulas de fosfoetanolamina no tratamento de cães com câncer e, me sugeriu utilizá-las em alguns pacientes. Isso não aconteceu, pois eu já havia definido o roteiro de minha pesquisa.
Em setembro do mesmo ano realizei estágio de 30 dias no Hospital Amaral Carvalho em Jaú, cidade que dista cerca de 100 km de São Carlos. No hospital tive a oportunidade de acompanhar algumas reuniões clínicas e, lembro ter ouvido relatos de pacientes que abandonavam o tratamento oncológico convencional para aderir à pílula do câncer que eram doadas a quem procurava o professor do Instituto de Química da USP. O corpo clínico do hospital discutia, com preocupação, a evolução da doença naqueles pacientes que haviam aderido ao novo tratamento.
Estudo o câncer há anos e não acredito que uma única substância seria suficiente para interromper ou ainda involuir a doença em progressão. Conceitualmente, o processo carcinogênico envolve múltiplos sistemas estimulantes e regulatórios, tanto nas células cancerosas como também no meio extracelular e, muito frequentemente, estas células adaptam-se a novas configurações para manterem-se viáveis e em contínua atividade proliferativa.
Também entendo que, para quem tem ciência de sua condição doente (diferente dos meus pacientes veterinários) e se encontra receoso quanto à incerteza de cura à custa de efeitos colaterais inerentes ao tratamento oncológico convencional, possa facilmente aderir, com esperança e simpatia, a um regime de tratamento baseado na simples ingestão de pílulas que parecem prometer tanto.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (AVISA) informa por meio de Nota Técnica (no54/2015/SUMED/ANVISA) que não há qualquer registro concedido ou pedido de registro para medicamentos com o princípio ativo fosfoetanolamina. Também não há em curso qualquer avaliação de projetos contendo fosfoetanolamina para fins de pesquisa clinica envolvendo seres humanos, o que significa que não há nenhuma avaliação de segurança e eficácia do produto que tenha sido realizada para que a pílula do câncer seja validada com medicamento.
A comprovação de segurança e eficácia de uma substância ou medicamento dá-se pela realização de estudos não clínicos (não realizado em seres humanos) que devem ser complementados com estudos clínicos fase I, II e III (realizados em seres humanos) para que, somente então, seja possível analisar a relação benefício/risco de um novo medicamento.
A partir do exposto sobre o assunto, minha opinião é contrária à permissão do uso da pílula como qualquer tipo de tratamento do câncer. Para que a fosfoetanolamina seja considerada indicada como tratamento esta deve ser submetida à regulamentação prevista pela ANVISA (Lei no 6.360/76) que garante à população brasileira o direito à qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos comercializados em nosso país.
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