Autoria: Dra. Renata Afonso Sobral
Médica veterinária responsável pela equipe de profissionais da Onco Cane Veterinária Ltda
No último dia 05 de maio tive a grata oportunidade de participar do Simpósio intitulado A Perda e o Luto em Medicina Veterinária, organizado pela Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias, evento que aconteceu nas dependências da Faculdade Egas Moniz, em Caparica, Portugal, instituição dedicada à formação de profissionais de diversas áreas da saúde, incluindo Medicina Veterinária e Enfermagem Veterinária.
Promover discussões a respeito do assunto é importante e necessário no contexto veterinário, uma vez que o médico veterinário confronta a morte cerca de cinco vezes mais do que outros profissionais da saúde, isso porque a expectativa de vida média dos pets raramente ultrapassa as duas décadas. Assim, o luto pela morte de um paciente cão ou gato não é somente sentido pelosseus tutores, por vezes o pesar daperda também acomete o profissional que o acompanha desde filhote.
Na intenção de promover discussão mais aprofundada, o evento inovou em convidar palestrantes veterinários e psicólogos, brasileiros e portugueses para o debate, criando uma interface disciplinarmuito proveitosa. O psicólogo e psicoterapeuta Miguel Barbosa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, abriu o evento com uma interessante explanação sobre a trajetória de domesticação de cães e gatos até os dias de hoje, destacando a importância dos pets como apoio social na vida de seus tutores. A construção de forte vínculo
afetivo entre tutores e seus parceiros animais pode dificultar a aceitação do tutor quando da morte deste, além de profunda tristeza, isolamento e depressão. Estas vivências podem ser ainda mais pesarosas pela falta de acolhimento e reconhecimento por alguns segmentos da sociedade que não partilham dos mesmos valores a respeito dos vínculos interespécies.
A palestra do professor Miguel foi complementada pelo colega Luis Resende, veterinário especialista emacupuntura e nutrição em um hospital privado de Lisboa; a ele coube abordagem
de questões técnicas e éticas relacionados à eutanásia. O colega valeu-se de sua experiência com pacientes portadores de desordens osteo-articulares, severamente impactados em sua qualidade de vida, para discorrer e propor reflexões de forma aberta e imparcial.
Em minha palestra optei por discorrersobre aposição ambivalente que o veterinário ocupa nos cuidados em tratar e/ou curar, mas também nos cuidados que precedem a morte de seus pacientes, muitas vezes como demandas que se repetem num mesmo dia de rotina clínica. Mesmo sabendo que todos nós participamos deum ciclo vital finito, não há como tratar a morte como um evento trivial ou confrontá-la cotidianamente de forma indiferente; estas vivências
nos marcam psiquicamente, impactam nossa saúde mental. Estudos recentes comprovam que médicos veterinários possuem alto índice de estresse e tensão relacionados ao ambiente de trabalho, situações que podem evoluir para Síndrome de Burnout e Fatiga por Compaixão. Os conselhos regionais e federal de medicina veterinária alertam sobre a importância do veterinário em esgotamentomental a procurarapoio profissional paraque possa dar vazão aos sentimentos de raiva, frustração e impotência e que o acometem.
As palestras subsequentes contaram com a participação da professora e psicóloga especialista em luto, Teresa Andrade, integrante do corpo docente da instituição Egas Moniz, e da colega brasileira Rita Ericson. A professora Teresa nos presentou com uma rica exposição sobre as dificuldades e constrangimentos que um profissional da saúde é exposto quando se faz necessário comunicar e esclarecer a família de um paciente crítico sobre os cuidados de fim de vida, sobre terminalidade e morte. É fato que esta temática é insuficientemente abordada na grande maioria dos cursos; por isso, a professora nos advertiu sobre a importância em integrar, mesmo que em pequenas ações, conteúdos relacionados ao tema nas ementas dos cursos de saúde, especialmente na veterinária, através de orientações de abordagens aos tutores e familiares apreensivos pela iminência da morte de seus animais, ou ainda nos contextos que envolvema eutanásia.
Por fim, a colega brasileira Rita Ericson, veterinária comportamentalista e uma das integrantes do grupo Tanatovet, nos apresentou como utilizar o jogo Patas sobre a Mesa, uma ferramenta de comunicação criativamente brasileira, que tem como objetivo abrir oportunidades para conversas francas e acolhedoras a respeito dos cuidados, medos, receios e desejos que os tutores gostariam que fossem respeitados nos últimos dias de vida de seus pets.
Concluindo, no seminário A Perda e o Luto em Medicina Veterinária tivemos oportunidade de refletir e discutir várias situações que nos atravessam quando somos confrontados com a morte durante nossa atuação profissional.